
A Arte numa Mulher: Maria Helena Vieira da Silva
Não pintava para ser vista.
Pintava porque o mundo, tal como era, não lhe chegava.
Fez da arte uma arquitetura da emoção — complexa, densa, milimétrica.
Maria Helena Vieira da Silva construiu cidades em tela, labirintos de silêncio e luz, ruas de cor onde ninguém se perdia sem se encontrar.
Era mulher, portuguesa, nascida em 1908, num país que raramente permitia a uma mulher o delírio do génio.
Mas ela recusou o tamanho das molduras onde a queriam encaixar.
Pintava como quem pensa, como quem sente, como quem recorda — e ao mesmo tempo, como quem esquece tudo para recomeçar no vazio da tela.
Nasceu em Lisboa, cresceu entre livros, música e dor.
Perdeu o pai cedo. E talvez por isso tenha construído, desde pequena, a obsessão por ordem e estrutura.
Mas nunca desistiu do caos.
Estudou nas Belas Artes, mas foi Paris que a acolheu inteira. Paris dos anos 1920 — onde tudo vibrava, colidia, explodia.
E ali ficou.
Com olhos de engenheira e mãos de alquimista.
Apaixonou-se pela geometria, mas sempre com sede de alma.
E se a abstração era o seu território, era uma abstração vivida, sentida, quase religiosa.
Vieira da Silva não pintava ideias.
Pintava travessias.
E as suas telas, como ela, não se explicam: atravessam-se.
Influenciada pelo Cubismo, pelo Surrealismo, pelas vanguardas europeias, soube absorver sem imitar.
Era rigorosa. Incansável. E por vezes, incompreendida.
Nunca quis agradar.
A sua arte não era decorativa — era interior.
Quem olha uma obra sua com pressa, não vê nada.
Mas quem permanece, descobre mapas emocionais, cidades imaginárias, escadas, corredores, bibliotecas, redes, prisões e abismos.
Pintava como quem constrói o mundo a partir do vazio.
“A perspectiva é uma obsessão”, disse uma vez.
E em cada traço seu havia uma pergunta: como organizar o indizível?
Foi, durante décadas, mais reconhecida lá fora do que cá.
Naturalizada francesa, professora na École des Beaux-Arts, expôs em Nova Iorque, Paris, Tóquio, Londres.
Foi também a primeira mulher a receber o Prémio Gulbenkian de Arte.
Mas nunca perdeu o português da infância — ou da memória.
Portugal estava nos azulejos das suas composições, nas ruas espremidas entre linhas, na melancolia luminosa que teimava em emergir por entre tons sujos.
A sua vida pessoal foi discreta.
Casada com o também pintor Árpád Szenes, partilharam atelier, cumplicidade, exílio durante a guerra e um amor sereno.
A guerra, aliás, marcou-a profundamente.
O horror das fronteiras, o absurdo da destruição, tudo isso está na contenção dos seus quadros — na ausência de figuras, na geometria obsessiva, no desejo de ordem onde tudo parecia ruir.
Vieira da Silva é muitas vezes rotulada como abstracionista lírica.
Mas nenhuma etiqueta lhe serve.
Era uma mulher que pintava como quem busca Deus num caderno quadriculado.
Que chorava em camadas de tinta.
Que falava pouco, mas deixava tudo ali: na tela.
Morreu em 1992, em Paris.
Mas nunca partiu.
A sua obra vive nos museus, nas cidades, nas mãos dos que ousam ver devagar.
Vive na Fundação Arpad Szenes – Vieira da Silva, em Lisboa.
E vive, sobretudo, na ideia de que a arte não é apenas expressão: é resistência.
Num tempo onde se espera das mulheres que pintem flores ou sejam musas — ela foi mapa.
Foi espaço.
Foi cidade inteira.
Maria Helena Vieira da Silva não foi uma mulher que pintava.
Foi a arte numa mulher.
E continua a ser.
Na FENIKS, celebramos mulheres que ardem por dentro e criam mundos com o que sobra.
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